Em uma eleição concorrida que pela primeira vez chegou ao segundo turno, os professores Marcos Sunye e Camila Fachin foram eleitos reitor e vice reitora da Universidade Federal do Paraná, respectivamente, com 61,98% dos votos da comunidade acadêmica. E, na última sexta feira, 27, o Conselho Universitário homologou os nomes dos eleitos na lista tríplice a ser encaminhada ao Ministério da Educação (MEC) que fará a nomeação oficial.
Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, os professores que assumirão a gestão da UFPR a partir de dezembro deste ano, falaram sobre os principais desafios e propostas a serem efetivadas. Entre eles, superar a evasão dos estudantes que aumentou significativamente nos últimos anos e, para isso, garantir condições de permanência como, por exemplo, construir um espaço para mais vagas voltadas à moradia estudantil. Entre os projetos já pensados, também está no norte do reitor e vice reitora da UFPR a construção do “HCzinho”, ou seja, um espaço do atual HC voltada para o atendimento pediátrico.
Além disso, a nova gestão promete ampliar a participação da comunidade acadêmica, desenvolver um novo formato para que docentes tenham menos burocracia e mais apoio para o desenvolvimento de pesquisa e projetos e a valorização dos técnicos-administrativos na gestão administrativa da universidade.
Confira a entrevista:
BDF: Vocês falaram muito sobre ampliar a participação da comunidade acadêmica. Existiam lacunas, falta de instrumentos de participação ou a comunidade é que foi perdendo o hábito de participar?
Marcos Sunye: A Universidade é uma instituição que faz uso de um sistema colegiado de administração. Então, para cada unidade administrativa, você tem sempre o chefe daquela unidade, seja departamento, setor, reitoria, e associado a esse chefe você tem um colegiado. E a decisão é sempre coletiva porque esse colegiado toma as decisões. O que a gente observou na universidade, principalmente no principal colegiado, que é o Conselho Universitário, é que as pautas já vinham praticamente prontas, com muito pouca discussão. A partir desse diagnóstico, a gente começou a ver que realmente a universidade não estava mais sendo administrada de maneira coletiva.
BDF: E o que vocês pretendem efetivar como instrumento de participação?
Marcos Sunye: Nós já usamos durante a campanha, que é um software chamado Decidim. Quando eu estava em Barcelona recentemente, eles lá fazem em praticamente boa parte dos projetos, reformas de praças, definição principalmente de mobilidade urbana. Hoje todo o plano de planejamento de mobilidade urbana de Barcelona está nessa ferramenta chamada Decidim.
Decidim é decidimos em catalão. É um software que permite que você, além de colher propostas das pessoas, de maneiras mais variadas, elas se cadastram e começam a colocar as propostas, vai passando por várias fases e você consegue coisas mais sofisticadas, como colocar um orçamento dentro de uma determinada meta, e dependendo como ele vai equilibrando a proposta, ele tem que tirar de um lugar para o outro.
Então, por exemplo, hoje é um terço do orçamento da Universidade é o orçamento estudantil e os estudantes nunca participam da decisão para onde vai esse orçamento. Ou até mesmo, dentro do orçamento total, você decide, por exemplo, eu vou pegar dois milhões e os estudantes vão realmente definir. Algumas universidades europeias fizeram isso, a Universidade de Bordeaux fez isso e lá apareceram demandas como absorvente íntimo-feminino, que era a principal proposta.
BDF: Como foi experimentar esse instrumento de participação já na campanha?
Camila Fachin: Na construção do nosso plano de gestão a gente também fez um experimento com os estudantes, separou um milhão do orçamento e fez um experimento com eles para eles entenderem como é que seria usar a ferramenta.
E a ideia agora é utilizar na gestão, inclusive a gente vai abrir uma aba para quem é do HC, para colocar sugestões e podemos começar a pensar o que precisa ser feito a partir da participação de quem está vivendo ali a realidade.
BDF: Quais os desafios colocados por esta nova gestão ao Hospital de Clínicas que venha contribuir ainda mais para o nosso Estado?
Camila Fachin, eleita vice reitora da UFPR. / Reprodução internet
Camila Fachin: São três desafios principais para o HC nos próximos anos. O primeiro desafio diz respeito às pessoas que trabalham no HC. Hoje vemos que todo mundo está bastante desgastado e até mesmo desgostoso com justamente essa questão de não ser ouvido, de não ser escutado, das decisões serem muito impostas. Então a gente tem dito muito que é cuidar de quem cuida.
E, realmente instituir colegiados de unidade, que as decisões sejam mais coletivas dentro do hospital.
Já o segundo desafio é a questão de retomar a missão do HC como um hospital que oferece tratamento de excelência da média e auto complexidade para os pacientes do SUS. Isso, de alguma maneira, veio se perdendo ao longo dos últimos anos, e realmente isso precisa ser resgatado.
E o terceiro desafio, que na verdade é uma interseção muito grande entre a universidade e o hospital, é o resgate do hospital como um hospital de ensino, um hospital universitário. A gente deu uma guinada muito grande para as questões assistenciais, e às vezes assistenciais de média, complexidade, não de alta, e um distanciamento da universidade e das questões de ensino ligado aos alunos e residentes da área de saúde.
BDF: Falando em projetos, vocês falaram durante a campanha em ampliar o atendimento do Hospital de Clínicas para as crianças. Como será isso?
Camila Fachin: A pediatria sempre foi relegada a um espaço menor dentro do hospital, porque a gente está dentro de um hospital geral. Mas hoje, em Curitiba, a gente tem uma falta de leitos pediátricos no SUS e o Hospital de Clínicas tem uma equipe de excelência em pediatria, nas especialidades pediátricas. Isso precisa ser melhor aproveitado.
Então, uma das nossas propostas é a criação do HCzinho. A gente tem chamado, carinhosamente, o Instituto de Pediatria do Hospital de Clínicas, que já é uma proposta antiga do Departamento de Pediatria do Hospital e que a gente vê hoje que é muito necessário para a cidade de Curitiba e também para o Estado do Paraná.
BDF: Muitas vezes nas épocas eleitorais os técnicos administrativos dizem que sempre ficam em segundo plano no olhar de uma gestão. O que precisa ser feito para valorizar este segmento?
Marcos Sunye: A eficiência e a capacidade de gestão da universidade dependem exclusivamente dos técnicos administrativos. Os técnicos são formados, contratados para fazer a gestão. E essa gestão acaba sendo não valorizada. Ou seja, a universidade é deficiente em treinamento, em planejamento de capacitação dos técnicos. E principalmente, tem muitos cargos de liderança administrativas que são ocupados por docentes e que poderiam ser ocupados pelos técnicos.
Um dos diferenciais da nossa proposta é promover mais administração para os técnicos. Achamos que a universidade vai ser mais eficiente, melhor administrada, se colocamos pessoas que já tem um conhecimento em longo prazo. Por isso, a formação é o principal diferencial que a gente vê hoje na eficiência da universidade.
Camila Fachin: A capacitação dos nossos técnicos é o estímulo, pois muitos hoje se sentem desmotivados, porque justamente acabam assumindo um papel secundário, quando na verdade eles teriam totais condições de ter um papel mais ativo nas questões e nas decisões da universidade. Então, isso pra gente é uma questão bastante importante.
BDF: E para os docentes, a área da pesquisa é muito importante. Como garantir que seja menos burocratizada e mais incentivada?
Camila Fachin: O sistema burocrático é muito grande em cima dos nossos pesquisadores. Muito da burocracia que poderia ser absorvida por técnicos administrativos que tenham essa expertise, acaba sendo repassada para os nossos docentes.
Durante o nosso périplo pela universidade, durante a campanha, não foi nem uma, nem duas vezes, que a gente escutou docentes dizendo que desistiram de verbas que tinham ganhado em algum projeto por conta da burocracia que é para receber essa verba, colocar no projeto, enfim.
Então é função, a gente acredita muito nisso, da Reitoria da universidade dar os meios e facilitar essa burocracia dentro da universidade. E a gente tem alguns projetos voltados a isso. Por exemplo, uma Fundação de Apoio à Pesquisa com uma unidade voltada específica para pesquisa.
A gente necessita também ter recursos para pesquisa, isso hoje também é um problema, a gente não tem na Universidade atualmente, apesar de estar previsto no nosso Regimento, o fundo de pesquisa. Atualmente parte da pesquisa muitas vezes é o que sobra. Como é que o pesquisador vai fazer o seu planejamento dessa maneira?
BDF: Durante a campanha vocês publicizaram dados preocupantes sobre evasão de alunos aumentando na UFPR. Gostaríamos de saber o diagnóstico que fizeram a respeito?
Camila Fachin: Temos dados que em 2023 quase sete mil alunos evadiram da UFR, dos 29 mil de graduação, contando só a graduação, ou seja, o número que evadiu foi maior do que o que entrou no vestibular em 2023. Infelizmente a gente não tem esses dados sistematizados, é inclusive uma questão que a gente falou muito durante a campanha, pois precisamos fazer uma gestão baseada em dados, baseada em evidências.
Mas, a gente sabe por alguns estudos pontuais, principalmente na área de educação. Uma delas são as políticas de permanência estudantil. A gente foi a primeira universidade federal que implementou políticas afirmativas, há mais de 20 anos já, porque isso foi em 2013. Porém, alguns estudos mostram que ainda quem evade mais são justamente os alunos que entram por políticas afirmativas dentro da universidade. Quando a gente compara a evasão de alunos brancos e alunos negros, a gente vê que os alunos negros evadem mais a universidade. Então, é urgente melhorar nossas políticas de permanência estudantil.
BDF: O que vocês pretendem fazer para que os estudantes de escolas públicas venham até a Universidade?
Marcos Sunye, eleito reitor da UFPR / Reprodução internet
Marcos Sunye: Precisamos ampliar e melhorar a nossa comunicação em todos os âmbitos. A Universidade precisa ir até a sociedade, até estes alunos de ensino médio das escolas públicas que não estão mais buscando a UFPR. Tem dentro da universidade várias iniciativas como, por exemplo, o curso de turismo tem um projeto que já tem 30 anos que promove visitas à universidade, traz as pessoas do ensino médio público para fazer um tour na universidade. Eles fazem isso há anos já.
A USP tem um projeto interessante que a gente quer tentar reproduzir, chama Embaixadores da USP, onde os alunos, por exemplo, aluno da Biologia eles vão falar do curso nas escolas.
Além disso, a universidade terá que intensificar na área de extensionista, na área cultural também. A gente vê uma oportunidade, por exemplo, de abrir mais as portas da Universidade para eventos. Ali na Santos Andrade tem o Musa, que tem uma coleção bem interessante e podemos colocar um café lá e convidar a sociedade para entrar, fazer visitas no museu, etc.
BDF: E sobre o Restaurante Universitário, o que os estudantes apresentaram como demandas para vocês?
Camila Fachin: Uma primeira demanda foi em relação ao valor. Hoje a gente tem um RU que está a 1,30 e esse valor acontece por conta de subsídios que a própria universidade coloca. Nós nos comprometemos a manter esse valor.
Mas também vem uma demanda dos estudantes em relação à qualidade da alimentação, que em alguns campus da universidade tem uma qualidade que não seria adequada. E, a outra é sobre horário, pois hoje tem um RU, por exemplo, no campus da Agrária, ele não abre à noite, sendo que os estudantes têm aula à noite. Então ele precisaria abrir à noite. E, quando ele abre à noite, fecha em torno de 19h30, sendo que o intervalo das aulas noturnas, por exemplo, no Politécnico ou até mesmo ali no centro, é às 9h00.
Propusemos também essa extensão do horário noturno e pretendemos implementar.
BDF: Além disso, o que mais pode ser feito para ajudar na permanência estudantil?
Marcos Sunye: Queremos construir moradia estudantil porque o que tem hoje é a Casa da Estudante Universitária, que gira em torno de 80 alunas e a CEU que atende mais 150. E, a gente tem 40 mil alunos, então qualquer universidade que ofereça moradia, tem que chegar perto de 10%, teria que subir para quatro mil. Então isso também está relacionado como a permanência, pois as pessoas das classes populares não têm como colocar o filho na Federal, se não mora em Curitiba e não conseguem pagar aluguel. Então, é prioridade absoluta a nossa conseguir recursos para construir moradias estudantis.
BDF: Para finalizar, gostaríamos de saber mais sobre a proposta que vocês fizeram de ter um escritório da UFPR em Brasília.
Marcos Sunye: Queremos construir o HCzinho, as moradias estudantis e vamos precisar apresentar estes projetos para o governo federal. A ideia do escritório é fazer a ponte com Ministérios e parlamentares para recursos além do orçamento, para subsidiar estes projetos.
Os Ministérios têm fundos estratégicos, tem o Fundo Nacional de Saúde, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional, por exemplo. São fundos para projetos estratégicos, os ministérios, principalmente nos governos PT, usam muito a Universidade para desenvolver esses projetos estratégicos.
Além disso, prospectar estes projetos para buscar outras verbas que os parlamentares, através das emendas, podem destinar e também fazer essa prospecção desses projetos nos fundos relacionados aos ministérios do governo federal.
Para assistir a entrevista na íntegra acesse o canal de Youtube do Brasil de Fato Paraná