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Inovação tecnológica: uma aliada na restauração de ecossistemas

Restauração ecológica desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade

Em um momento em que as mudanças climáticas aceleram a degradação dos ecossistemas, a ciência e a inovação se tornam nossos principais aliados. Recentemente, uma nova ferramenta, a Climate-Oriented Seed Sourcing Tool (COSST), foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, para otimizar a escolha de sementes em projetos de restauração ecológica. Mais do que uma inovação tecnológica, a ferramenta representa um avanço significativo na integração entre ciência, prática e a necessidade urgente de respostas climáticas eficazes.

A restauração ecológica desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade e no enfrentamento das mudanças climáticas. Quando a degradação é severa, a semeadura direta surge como uma técnica promissora para  desencadear a regeneração do ecossistema, porém mas uma questão importante surge: onde encontrar as sementes certas para o local certo?

Há um debate na comunidade científica sobre as melhores estratégias de proveniência, ou origem, de sementes, que variam desde abordagens tradicionais, que priorizam sementes locais, até estratégias mais ambiciosas, que incorporam sementes de outras localidades para melhorar a adaptação às mudanças climáticas.

Os pesquisadores observaram que, embora muitos artigos científicos destacassem as vantagens teóricas de diferentes estratégias de proveniência, havia uma lacuna quanto à aplicação prática dessas estratégias. Esse vazio metodológico motivou o desenvolvimento da  ferramenta com o objetivo de  mapear as melhores fontes de sementes para um determinado local e espécie. Essa metodologia abrange uma ampla gama de estratégias, desde o uso de sementes de origem local até a seleção daquelas mais adequadas às condições climáticas futuras.

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O COSST oferece respostas inovadoras. A ferramenta classifica áreas dentro da distribuição de uma espécie em uma escala de 0 a 1, onde 0 representa a prioridade mínima e 1 a máxima para a coleta de sementes. Em outras palavras, sementes originadas de locais com índices mais altos têm maior prioridade para compor a muvuca de sementes destinada à restauração.

Se os locais de coleta por espécie forem mapeados (por exemplo, por redes de sementes), o índice de priorização gerado pela ferramenta pode ser utilizado para estimar a proporção de sementes necessárias de cada local de coleta ou rede, facilitando a compra durante o planejamento da restauração.

Uma das grandes virtudes do COSST é sua flexibilidade, oferecendo três estratégias distintas para a escolha de sementes: a composta, que privilegia sementes locais em uma abordagem tradicional voltada para preservar a identidade ecológica das paisagens restauradas; a preditiva, que foca em sementes mais adaptadas às condições climáticas projetadas para o futuro; e a ajustada ao clima, que equilibra as duas abordagens, permitindo uma transição mais harmoniosa entre o presente e o futuro.

Esse modelo adaptativo não apenas reflete a complexidade das mudanças climáticas, mas também responde às demandas de restauradores que atuam em diferentes contextos ecológicos e socioeconômicos. Um exemplo prático é a aplicação da ferramenta no Cerrado brasileiro, onde o pequizeiro (Caryocar brasiliense), espécie símbolo da região, foi utilizado como estudo de caso. A ferramenta identificou áreas prioritárias para coleta de sementes, demonstrando como diferentes estratégias podem ser integradas para restaurar regiões específicas, como o norte de Goiás e Minas Gerais.

Desafios

Embora o COSST represente um avanço no planejamento da restauração ecológica, sua implementação em larga escala enfrenta desafios significativos. A adoção dessa ferramenta nas cadeias produtivas de sementes nativas encontra obstáculos relacionados à rastreabilidade das sementes, à capacidade de produção e à logística de transporte.

Além disso, expandir o uso do COSST ou de recursos similares exige o mapeamento preciso dos locais de coleta de sementes em campo, bem como a etiquetagem e o armazenamento dos lotes de acordo com sua origem. Essa tarefa é especialmente desafiadora para grandes fornecedores que gerenciam inventários extensos e diversificados.

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O código do COSST, desenvolvido na linguagem R, está disponível ao público e a publicação científica da ferramenta traz mais detalhes. A equipe de pesquisa planeja expandir a ferramenta para um aplicativo online e um pacote em R, ampliando ainda mais sua acessibilidade. Apesar dos desafios para sua implementação, os pesquisadores acreditam que a ferramenta oferece uma oportunidade única de melhorar os resultados da restauração, auxiliando os restauradores na escolha das sementes mais adequadas para cada plantio. Isso garante a manutenção da diversidade genética e apoia estratégias adaptativas fundamentais diante da crise climática.

A emergência climática exige soluções urgentes e integradas, e o COSST é um exemplo brilhante de como a ciência pode contribuir para enfrentar esses desafios. Em um momento decisivo para o futuro do planeta, o COSST não é apenas uma ferramenta: é um convite para nos prepararmos para um futuro em constante transformação.

É hora de agir com responsabilidade e visão de longo prazo, aproveitando soluções inovadoras como o COSST para construir um caminho mais sustentável e resiliente.

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*Maria Antônia Perdigão é jornalista, mestre em Comunicação Social e consultora em comunicação socioambiental. Atualmente, atua como coordenadora de comunicação da Rede de Sementes do Cerrado (RSC). 

*Mateus Cardoso Silva é biólogo, mestre em Ecologia, doutor em Geografia Física e primeiro autor da publicação do COSST. Atualmente, é pesquisador na Universidade de Exeter no tema mudanças climáticas, biodiversidade e serviços ambientais no Cerrado e Amazônia.

 

***Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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