Neste momento todos já devem ter tido contato, por meio de diversas formas, com a notícia de que uma inteligência artificial generativa construída na China entrou em rota de colisão com o mercado dos EUA e colocou todo o modelo de negócio dos estadunidenses em crise, com perdas estimadas na casa de 1 trilhão de dólares.
Se você teve contato com esse tipo de notícia, peço que respire. As coisas não são assim tão simples.
A Deepseek-R1, LLM (Grande modelo de linguagem) racional da empresa chinesa Deepseek, em português "Busca Profunda” foi lançado no dia 20 de janeiro e realmente representa um avanço tecnológica sem precedentes na história dos modelos de linguagem.
A empresa foi responsável pela maior queda no mercado de ações da história dos Estados Unidos ao lançar um modelo de linguagem natural e racional que quebra paradigmas de diversas formas.
Além de enfrentar todas as tentativas estadunidenses de bloquear o avanço das inteligências artificiais na China, o Deepseek-R1 se apresentou como uma ferramenta muito mais barata, otimizada e com um consumo energético baixíssimo quando comparado com sua principal concorrente: o GPT o1, modelo de linguagem natural e racional da empresa estadunidense OpenAI.
Isso pode nos trazer esperança, porém também certos temores.
Tecnologia anti-colonialista, Trabalho coletivo e popularização de IAs
Levando em consideração a necessidade de enfrentamento ao colonialismo digital, o primeiro ponto de esperança ao observar esse modelo é saber que ele foi construído dentro de um trabalho coletivo no sul-global.
Não se enganem quando virem a tentativa de construção de um perfil messiânico de Liang Wengfeng, fundador da empresa chinesa e a tentativa de taxá-lo como criador único da LLM. Isso é falso. A própria abordagem utilizada, chamada Aprendizagem por Reforço, se baseia na construção coletiva do conhecimento e modelo de racionalização do Deepseek. Foram necessários diversos profissionais das mais diversas áreas de conhecimento humano trabalhando para construí-lo.
Outro ponto importante, é que o Deepseek começa finalmente a colocar o real potencial das inteligências artificiais nas mãos do povo. Sim, ainda é necessário um conhecimento aprofundado e uma linha de ensino para que se aprenda a como utilizar uma inteligência artificial de modo a melhorar nossas vidas e nossos trabalhos, porém mesmo isso não era o bastante, já que, até então, existe um bloqueio econômico gigante na utilização de inteligências artificiais. Até semana passada, o poder de utilizar, mesmo que uma parcela do potencial das Ias, estava nas mãos dos poucos que detinham o poder econômico para tal.
A falsa esperança energética e o impacto no trabalho
Mas nem tudo são flores. O surgimento desse avanço tecnológico traz também alguns temores.
O primeiro é sob o conjunto energético. Inicialmente isso poderia ser tratado como uma esperança, mas ao pensar um pouco sobre o assunto, ela se torna frágil.
A conta a ser feita pode ser simplificada da seguinte forma: quanto mais poder de processamento, mais gasto energético.
A Nvidia, maior produtora de chips otimizados para inteligência artificial do mundo e que consomem uma quantidade substancial de energia, assim como empresas do ramo energético, entraram em pânico na segunda-feira. Só a Nvidia foi responsável pela perda de mais de 50% do valor total em ações nessa segunda-feira, totalizando cerca de 600 bilhões de dólares. Porém, na terça-feira ela se recuperou e suas ações voltaram a subir.
Sim, o Deepseek-R1 consome muito menos energia do que os modelos ocidentais. Isso por um lado reduz a necessidade energética para o trabalho feito pelas inteligências artificiais hoje… Mas, ao mesmo tempo, alarga os limites para o trabalho que poderá ser feito pelas inteligências artificiais amanhã. Já que a produção energética e de processamento continua alto e o que fazemos hoje não vai mais consumir tudo, por que não podemos fazer mais?
Pessoas que utilizam inteligências artificiais costumam se maravilhar e achar que essa é a tecnologia humana em seu auge: E não é.
E por fim, o ponto que acredito ser o mais importante nesse debate: qual o reflexo do Deepseek para a classe trabalhadora.
Atualmente eu trabalho em um setor que já vem substituindo postos de trabalhos humanos por inteligências artificiais. O Cálculo usado é sempre o ROI, também conhecido como Retorno sobre o Investimento. A pergunta a ser respondida é simples: O custo da tecnologia é menor do que o custo com trabalhadores?
Ninguém perde o emprego para uma máquina porque ela é muito boa, mas sim por que ela consegue fazer o seu trabalho, mesmo que pior, por um custo menor que o seu.
Para ter ideia, fazendo uma conta burra, podemos dizer que o GPT, da OpenAI, custa hoje cerca de 5 mil dólares por mês para fazer um trabalho específico. O Deepseek-R1 consegue fazer o mesmo trabalho por cerca de 25 dólares.
Ele barateia muito a tecnologia e é importante observar o que isso pode ocasionar nos próximos meses e anos.