A comunidade 4 de Novembro, no bairro Uberaba, vive dias urgentes. Manhãs e noites de ansiedade, de olho no calendário, como um time de futebol que se prepara para uma partida decisiva.
Isso porque, no começo de outubro, está na agenda a quarta audiência, e talvez a última, de tentativa de mediação entre proprietário e 53 famílias trabalhadoras, com presença da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, para definir a situação desses ocupantes que, há dois anos, ainda no período de vigência da covid-19, abandonaram aluguel, incertezas e aperto orçamentário para se arriscar no sonho de uma nova vida.
A área fica em terreno particular, ao lado do Hotel Bristol, perto de outras velhas e novas ocupações.
Depois da audiência, se não houver resolução, a tendência é acelerar a pressão pelo cumprimento de ação de reintegração de posse. A empresa deseja retomar o processo, algo registrado em audiência recente. Durante as audiências em 2024, porém, a construtora RKR incorporadora e construtora Ltda sugeriu que município de Curitiba adquirisse a área na forma de potencial construtivo, de maneira que as famílias pudessem ficar no local e a indenização do município fosse nessa forma de concessão, de interesse da incorporadora para ampliar suas construções noutros locais.
Perfil presente
Muita gente da comunidade 4 de Novembro é vinda da própria região. Pessoas que nasceram em outras ocupações, caso da Icaraí, e cresceram, viram o mesmo terreno vazio durante décadas e resolveram ocupar.
Hoje, a comunidade é feita de construções, uma cozinha comunitária esporádica, espaço para receber doações, além de assembleias periódicas entre os moradores. Recebe apoio de outras ocupações locais, caso da área 29 de Janeiro, em uma mostra de solidariedade na prática entre comunidades.
A parte autora do pedido de reintegração de posse concordou com mais esta última audiência de outubro, daí a pressa e angústia dos moradores em encontrar uma saída para o impasse.
É assim a história de Andrielli Hugnin de Oliveira e de Ezequiel Pacheco. Andrielli nasceu na região, há 26 anos, e desde cedo já observava que o terreno em questão era mato alto e abandono, com a vizinhança reclamando do local de desova de furtos. “Temos fotos e vídeos”, adianta-se. “Morávamos em uma peça do meu pai", complementa, justificando o recurso à ocupação quando já não havia mais espaço na casa para uma família que crescia.
"Os moradores aqui não tinham lugar pra morar. Um aluguel custa R$ 1200. Muitos estão com os filhos desempregados. A maioria são beneficiários de programas sociais, todos com cadastro único”, ressalta Ezequiel, confirmando a vontade de ficar por parte dos moradores.
Afinal, ali estão equipamentos públicos próximos. E, sobretudo, a proximidade com o local vivido desde a infância. Os nomes se somam: Eliel, Divan, trabalhadores da construção civil, Heloísa, catadora de materiais recicláveis, vão chegando, ao final da tarde, voltando do trabalho e somando-se na prosa com a reportagem.
Ocupação é uma entre cerca de 14 ocorrida em Curitiba durante pandemia da covid-19 / Pedro Carrano
Necessidade dos moradores
O terreno em si pertence à construtora RKR incorporadora e construtora Ltda e, de acordo com a Comissão de Conflitos Fundiários, haveria possibilidade de negociação por parte dos proprietários, mas ainda falta prefeitura e Cohab entrarem em campo e pisarem no gramado.
As famílias informam que já passaram por um cadastramento inicial. Mas, desde então, não houve mais nenhuma visita. As lideranças apontam vontade desde o início para negociar um preço de pagamento pelos lotes.
“Seria bom, poderíamos negociar, queremos intermediação da prefeitura”, afirma Pacheco, reforçando o desejo das famílias de negociarem o terreno.
Comissão de Conflitos Fundiários ressalta possibilidades
Na avaliação do juiz de direito substituto, José Augusto Guterres, um dos integrantes da Comissão de Soluções Fundiárias, falta um papel proativo do poder público municipal.
De acordo com ele, há um impasse com a construtora que reivindica o terreno. Mas falta ao município de Curitiba capacidade de proposição, em meio à falta de destinação orçamentária e falta de vontade política no tema da moradia, "uma vez que o município não está preparado para política de realocação, o que temos visto é o aluguel social”, delimita.
Depois das primeiras tratativas de negociação, Guterres informa que houve um grupo de trabalho com a tarefa de pesquisar soluções para a questão. Porém, não houve progresso nesse encaminhamento.
“Encaminhamento frustrado, não se achou nenhum programa social que pudesse ser aplicado, a Cohab sempre diz para que se aguardem os programas – o que é insuficiente", completa.
A solução, para o magistrado, seria discutir a proposta da construtora, que, segundo ele, nas conversas iniciais, ao invés de receber a indenização em dinheiro, estaria disposta a receber em potencial construtivo pelo município, explica Guterres.
Moradores querem direito à regularização fundiária e poderem avançar para além de moradias precárias / Pedro Carrano
Na visão de João Victor Longhi, da Defensoria Pública do Estado, a posição do município equilibra-se entre o desdém e o descaso.
“(A Procuradoria do Município) chega a afirmar 'Não vou participar da audiência e se tiver ônus para o município, eu discordo. Chega a ser desrespeitosa a postura do município. No caso da Cohab, quando há uma confluência de fatores, ela se mostra interessada pelo menos no aluguel social, que não é o melhor dos mundos, mas melhor do que nos anos passados”, aponta.
Posição da prefeitura
Em perguntas enviadas à assessoria de imprensa da Prefeitura e também da Cohab, não tivemos resposta até o momento. Seguimos abertos para publicação da visão da gestão municipal.
Gostaríamos de saber se há posição em relação à situação da área 4 de novembro, localizada no bairro Uberaba, ocupação surgida há dois anos, localizada na rua Capitão Leônidas Marques, 3025, ao lado do hotel Bristol. Há uma audiência com a Comissão de Conflitos Fundiários e as partes no processo de reintegração de posse, marcada para outubro, a prefeitura e Cohab têm alguma proposta de política habitacional para as famílias da ocupação?
A pergunta se deve ao fato de que a empresa proprietária da área sinalizou intenção de mediação do conflito e proposta de venda da área.
Atenciosamente,
Redação Brasil de Fato Paraná.
A fronteira entre a cerca do terreno, o hotel e a área de ocupação. Dois mundos diferentes? / Pedro Carrano