Após o Supremo Tribunal Federal (STF) apontar que a população em situação de rua no Brasil vive em “condições desumanas” e exigir que os governos estaduais, municipais e distrital criem ações para enfrentar o problema, o Governo do Distrito Federal (GDF) lançou, em maio de 2024, o Plano de Ação para Efetivação da Política Distrital para a População em Situação de Rua.
Durante o primeiro semestre de execução do Plano, segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes-DF), foram realizados quase mil atendimentos em ações de acolhimento. Organizações que trabalham com a população de rua, no entanto, criticam o fato de essa ser a principal abordagem do GDF e consideram que, na verdade, tratam-se de ações de zeladoria urbana, baseadas em uma lógica higienista.
Na avaliação de Rogério Barba, coordenador do Instituto Barba na Rua, o Plano é “falido e higienista” e não resolve o problema. “O alvo [do Plano] está somente em tirar aquilo que as pessoas têm na rua, suas barracas, suas cobertas, seu papelão, para o governo falar que está fazendo algo. Porque, na verdade, não têm vaga para acolher essas pessoas, tanto na casa de acolhimento, como na comunidade terapêutica”, afirmou.
De acordo com a Sedes-DF, apenas 35 pessoas “aceitaram o acolhimento” desde o início do plano, destacando que a ação leva em conta a disponibilidade de vagas e o perfil da pessoa atendida.
Para o coordenador do Instituto no Setor, Rafael Reis, as ações de acolhida respondem às expectativas de moradores de regiões do DF e não daqueles que de fato deveriam ser beneficiados com a política.
“Antes de melhorar o acesso à garantia de direitos e viabilizar de fato espaços de acesso à renda, optou-se por pressionar a população em situação de rua a buscar espaços de acolhimento institucional, saindo das vistas de quem visita ou reside em Brasília”, destacou em coluna.
Na ação em que o STF determinou a efetivação da política de proteção à população de rua – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976 –, o ministro Alexandre de Moraes proibiu a remoção forçada dessas pessoas, bem como de seus bens e pertences.
DF Legal recolhe pertences de pessoas em situação de rua durante ação de acolhimento realizada em junho de 2024 na Asa Norte / Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília
Em resposta ao Brasil de Fato DF, a Sedes-DF afirmou que não faz remoção de pessoas em situação de rua. “O papel da pasta é garantir proteção social e acesso a políticas públicas que contribuam para o ganho de autonomia e possibilidade dessas pessoas saírem das ruas”, afirma a nota.
Em relação aos pertences recolhidos durante as ações de acolhimento, a pasta informou que, segundo o DF Legal, o transporte deles é feito a um local regular indicado pelo ocupante. “Em último caso, o governo leva os objetos pessoais ao depósito da DF Legal para retirada em até 60 dias, sem custo para o responsável”, conclui.
Atraso na ampliação de vagas para acolhimento institucional
O Plano Distrital para a População em Situação de Rua reconhece que o problema é complexo e multifatorial, tendo em vista as várias camadas de vulnerabilidade social e a diversidade das pessoas que vivem no contexto de rua.
O documento prevê uma série de ações em diferentes eixos, abordando desde a falta de moradia até desafios relacionados ao acesso à saúde e à educação e à violência e exclusão social enfrentada por essa população.
Ação de acolhimento de pessoas em situação de rua realizada em junho de 2024 na Asa Norte / Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília
No que diz respeito à saúde, por exemplo, o Plano propõe a ampliação, até 2027, de cinco para 12 equipes de Consultório na Rua no DF, além da criação de uma Política Distrital de Atenção Integral à Saúde da População de Rua em 2025.
Já no eixo da assistência social, o Plano previa, ainda para 2024, a implementação de serviço de acolhimento institucional na modalidade pernoite. Mesmo com acompanhamento do Ministério Público do DF (MPDFT), a proposta não foi concretizada no prazo estipulado.
Em abril do ano passado, a Sedes-DF abriu um edital de chamamento público para escolher instituições que seriam responsáveis por ampliar a oferta com 2 mil novas vagas de acolhimento institucional para pessoas em situação de rua no DF. Destas, pelo menos 200 vagas deveriam ser destinadas à modalidade pernoite.
As Organizações da Sociedade Civil (OSC) escolhidas foram anunciadas em agosto e deveriam apresentar a documentação para habilitação. No site de Sedes-DF, não há novas atualizações sobre o andamento do edital.
Questionada pelo Brasil de Fato DF, a pasta afirmou que houve a habilitação das OSCs e o processo seletivo foi finalizado. As instituições foram convocadas para apresentarem Plano de Trabalho, que, segundo a Secretaria, estão em fase de ajuste e aprovação para a celebração dos termos de colaboração. A Sedes-DF também disse que a previsão é de que sejam ampliadas aproximadamente 500 vagas no primeiro trimestre deste ano e as demais até final do primeiro semestre de 2025.
Auxílios
As ações da política para a população de rua no DF também incluem a concessão de benefícios, como ajuda de custo para deslocamento interestadual e um auxílio especial de R$ 600 para aqueles sem condições de pagar aluguel.
De acordo com a Sedes-DF, em 2024, foram concedidos mais de 2,3 mil Auxílios Vulnerabilidade, na modalidade passagem interestadual, e quase 8,5 mil Auxílios Excepcionais (Auxílio Aluguel). A pasta destacou que não é possível mensurar quantos foram especificamente repassados em ações de acolhimento do Plano Distrital.
Na avaliação de Rogério Barba os auxílios são importantes, mas precisam estar acompanhados de outras políticas públicas e, principalmente, de acompanhamento técnico para assegurar que sejam adequadamente direcionados.
“O auxílio é bom quando vem dentro de uma política pública focada na autonomia da pessoa, mas uma pessoa que não tem problema com crack, com álcool, uma pessoa que está verdadeiramente pronta para receber aquele auxílio”, afirma.
O coordenador do Instituto Barba na Rua destaca que para que a política de acolhimento seja efetiva, é necessário que pessoas com histórico de situação de rua sejam ouvidas durante a elaboração.
“Está faltando um olhar e a ação daquela pessoa que tem um histórico com a rua, que superou a rua. Aí eles [GDF] fazem um plano para mostrar para o Conselho de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal o que estão fazendo, mas é fantasioso, as pessoas continuam na rua”, avalia Barba.
2º Censo Distrital da População de Rua
A realização do 2º Censo Distrital da População em Situação de Rua também está em atraso. O Plano Distrital para a População de Rua previa que a pesquisa seria feita em 2024. No entanto, segundo o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), o levantamento começará a ser realizado entre janeiro e fevereiro de 2025.
A contratação da empresa que fará a pesquisa foi anunciada em 9 de janeiro deste ano, no Diário Oficial do DF (DODF). A empresa Qualitest Ciência e Tecnologia Ltda. foi contratada para um período de 12 meses e o empenho inicial será de R$ 104.166,66.
Três a cada mil habitantes do Distrito Federal estão em situação de rua, segundo levantamento do governo federal. Os dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), no entanto, são questionados pelo GDF.
O Relatório da População em Situação de Rua, divulgado pelo MDHC em setembro de 2023, aponta que Brasília tem 7.924 pessoas sobrevivendo nas ruas, o que representa 0,28% da população total, o maior percentual do país.
Segundo dados do governo federal, Brasília tem o maior percentual de pessoas em situação de rua do Brasil / Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília
A estatística do governo federal é contestada pelo GDF. Segundo o 1º Censo Distrital da População em Situação de Rua, realizado pelo IPEDF em 2022, havia cerca de 3 mil pessoas vivendo nas ruas do DF.
O levantamento feito pelo GDF apontou que 71,1% das pessoas em situação de rua no DF se declararam negras e 11,6% indígenas. 80,7% são homens e 3,5% são pessoas trans. O Plano Piloto é a região administrativa com maior concentração da população de rua (24,7%), seguida por São Sebastião (13,1%), Ceilândia (12,59%) e Taguatinga (11,95%).
Diferentemente do relatório federal, que utilizou dados do Cadastro Único (CadÚnico), o Censo Distrital fez uma varredura de cinco dias nas ruas de Brasília, em pontos de concentração da população de rua e em instituições de acolhimento.
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