"Evitando olhar pro abismo para ele não olhar de volta pra mim" é a legenda que uma jovem escolheu para seu vídeo no TikTok, em que ela aparece comendo seu café da manhã virada para o lado oposto a uma imensa torre de fumaça que se expande ameaçadoramente ao fundo. Com 1,5 milhões de visualizações e 400,6 mil curtidas, uma proporção view-like de mais de um quarto, os comentários são bem-humorados, com aquele sorriso amarelo que acompanha as piadas das gerações mais novas quando o assunto é a incapacidade da humanidade de frear o aquecimento global.
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"Evitando olhar pro abismo para ele não olhar de volta pra mim" / Imagem: Reprodução / TikTok
A crise climática anunciada há décadas está cada vez mais escancarada nos últimos episódios que temos visto no Brasil e em outros países vizinhos. Desde as enchentes no Rio Grande do Sul, até os mais recentes incêndios que já atingiram 60% do território nacional, o que acompanhamos é, para além de uma crise, uma emergência climática, na qual não nos sobram muitas possibilidades que não alguma resposta urgente e imediata. No entanto, o que percebemos é um sentimento fatalista se alastrando junto com a fumaça no céu.
“Não é hora de achar culpados” é o que frequentemente se escuta vindo justamente deles, ora, os culpados. Também escutamos clássicas falácias liberais como “cada um deve fazer a sua parte” e junto disso aquela variedade de práticas individuais (tomar banhos mais curtos, por exemplo), como se fosse essa nossa salvação. No entanto, sem nomear quem são os culpados, os que são responsáveis pela destruição da Natureza seguirão explorando cotidianamente os recursos naturais e ainda colocando na conta do seu banho demorado.
E por falar em culpados, não podemos deixar de enfatizar que ele é imperialista, capitalista, racista e patriarcal. Isso porque, saber que o planeta está à beira do colapso, a grande maioria está ciente, basta não ser um completo negacionista para ter clareza de que o mundo está em completa degradação. Porém, as saídas que os países capitalistas, as grandes corporações, agentes financeiros, etc., vão nos dar nunca serão pelo bem da humanidade, eles estão cientes e intencionalmente pensando qual parte do mundo vai ser sacrificada para que eles estejam bem. Ora, a periferia do sistema pode então pegar fogo, desde que isso garanta aos países do Norte Global uma “energia limpa”. Enquanto estamos tomados pela fumaça, pelo desespero e pela desesperança, bilionários vão passear no espaço. Isso tudo é para pensarmos que, além do desespero, não podemos deixar morrer, junto com os nossos biomas, a indignação que nos faça exigir justiça climática.
Como se não bastassem os bilionários internacionais, os países ricos também encontram em nosso território nacional aliados. Ao discursarem “Brasil acima de todos”, a elite brasileira só é capaz de colocar o Brasil abaixo do fogo. Isso porque estão entregues aos interesses da classe dominante internacional. O Agronegócio, a mídia hegemônica e as grandes corporações são culpados, são cúmplices e criminosos. Carregam, sim, a culpa pelo desmatamento, pelas queimadas, pelas mudanças climáticas, enchentes, pelo assassinato de ambientalistas, pelo genocídio de povos indígenas e pelo envenenamento de nossas vidas.
A mídia hegemônica, completamente desinteressada em apresentar ou divulgar alternativas ao agronegócio e ao modo de produção capitalista, divulga apenas as manchetes mais alarmistas (que rendem mais cliques). De “Brasil inabitável” a defesa de políticos como Eduardo Leite, não mostra os verdadeiros culpados, nem aponta saídas que já estejam sendo construídas pela organização popular, tampouco procuram mobilizar e despertar a nossa revolta. Seguimos bombardeados por uma ideologia neoliberal que nos mantém cada vez mais sem perspectivas. Seríamos inocentes se achássemos que a grande mídia está preocupada com alguma coisa que não as ações na bolsa de valores ou o extrativismo desenfreado, visto os interesses dos donos dessas corporações ou seus acionistas majoritários.
Também não podemos esperar grandes ações do governo Lula. Ainda que nossa tarefa seja cobrar que o Estado traga respostas efetivas e, mesmo que o cenário atual seja mais favorável do que foi nos quatro anos de governo Bolsonaro, também sabemos que um governo de coalizão, de conciliações e de diversos entraves institucionais não vão resolver o problema. A Reforma Agrária já não é um compromisso do governo e nós temos convicção de que ela é imprescindível. Sem Reforma Agrária popular não alcançaremos justiça climática.
Por justiça climática, entendemos ser necessário ir muito além de ações pontuais ou locais, precisamos de mudanças estruturais que garantam nossa soberania, para podermos gerir nossos próprios recursos naturais, rompendo com a lógica mercantilizada. O projeto de país que defendemos está claro, não podemos cair nos enganos que querem nos empurrar, de fazer com que achemos que não sabemos as saídas. Nós sabemos e precisamos mais do que nunca agarrá-las com todas as forças: lutar por reforma agrária popular, para que a terra seja para produzir alimento e um alimento sem veneno; que essa produção seja agroecológica, que não derrube florestas; que a água não seja mercadoria; que tenhamos soberania para gerir os recursos naturais para produzir vida para humanidade e não lucros para uma minoria. E que a juventude da classe trabalhadora tenha o direito de sonhar com um futuro e não ter o apocalipse climático como único horizonte.
Portanto, não temos direito ao desânimo, esse é o nosso compromisso civilizatório. Nossa análise não é baseada na conjuntura na qual gostaríamos de viver, e sim na realidade em que vivemos, reconhecendo as condições materiais e objetivas que são historicamente construídas, e não determinações divinas, do destino, não estão escritas no livro sagrado como sentenças. Portanto, sem ilusões idealistas, mas tampouco com uma melancolia paralisante, precisamos construir as alternativas, apresentar as possibilidades de construir outro mundo, fundamentalmente diferente do inferno em que vivemos.
No momento, não nos cabe a desesperança, cabe apenas a clareza de que nossa tarefa histórica é mais do que nunca a organização da nossa classe, a divulgação das nossas ideias, o otimismo de nossa vontade, a indignação e a revolta em nossos corpos e o compromisso com o nosso povo. Socialismo ou barbárie, como disse Rosa Luxemburgo. A revolução socialista é o único caminho que podemos escolher e nós, como juventude, carregamos o dever de apontar e trilhar esse caminho. Pois, como sabemos: Juventude que ousa lutar, constrói o poder popular!
*Moema Fiuza, psicóloga e militante do Levante Popular da Juventude.
*Leonardo V. é cientista de dados e militante do Levante Popular da Juventude
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.