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Anos desafiadores nos aguardam

Precisamos desviar do autoengano tão cômodo a alguns de nós

Os próximos anos serão duros. Primeiramente porque Trump tentará dar outro golpe de estado nos Estados Unidos da América. Pelo menos é nisso que eu apostaria. Grupos golpistas ao longo da história costumam fracassar várias vezes antes de emplacarem uma ruptura definitiva. No Brasil, o golpe de 1964 foi o ponto culminante de uma longa série de tentativas de golpe, iniciadas em 1945 contra Getúlio Vargas, passando por outros fracassos em 1954, 1955, 1956, 1959 e 1961, até que obtiveram sucesso. Foi assim com o Partido Nazista Alemão, que a partir do fracasso do Putsch da Cervejaria, em 1923, reorganizou sua estratégia para corroer a República de Weimar por dentro. Também com as sucessivas tentativas fracassadas do nosso ex-presidente da república. Não imagino que será diferente com Trump, ainda mais considerando os processos legais que o esperam assim que ele sair do cargo.

Mesmo que uma ruptura no sistema constitucional dos EUA não ocorra, o apoio de setores estratégicos da burguesia do Império como as BigTechs e as gigantes do agronegócio, com a maioria do Senado e do Congresso, transformarão esse período, como pontuou Serge Katz, em uma "Era Trump", com mudanças profundas na estrutura política do país. Parecido com o efeito que Margaret Thatcher teve no Reino Unido nos anos 1980. Como vimos na última vez em que Trump esteve no governo, aqui no Brasil podemos esperar uma extrema-direita muito mais ousada que nos últimos 2 anos, que provavelmente importará todas as pautas do reacionarismo estadunidense e entrará mais uma vez na ofensiva para pautar o debate público.

Além da previsível hostilidade que podemos esperar aos BRICS, o novo governo dos EUA elevará as tensões com aquele que é o país mais convictamente soberano do nosso continente: Venezuela. Não podemos descartar a possibilidade de que o Brasil esteja sendo visado como ponto estratégico para, junto à Colômbia, fechar o cerco contra o país caribenho. Gostaria de lembrar a todos que o nosso atual governo, mesmo antes das rusgas diplomáticas, autorizou o treinamento de 294 militares estadunidenses em conjunto com nosso exército em plena amazônia. O que faremos, enquanto esquerda organizada, para pressionar o governo a uma postura diplomática mais alinhada com as bases que o elegeram? O que faremos para barrar ou ao menos enfraquecer as sucessivas tentativas de demonização da República Bolivariana, por parte não apenas do Imperialismo mas também dos reacionários do nosso país? Como poderemos atuar frente ao consenso midiático que poderá ser instrumentalizado para jogar nosso país contra nosso vizinho?

Não estou usando essas perguntas de forma retórica, mas para provocar a reflexão sobre a inação da esquerda de forma geral. Sabemos que o problema da esquerda não é a falta de argumentos, não é a falta de pessoas dedicadas a produzir peças de mídia que defendam outros pontos de vista, mas sim a dificuldade na distribuição desses materiais. Dito isso, não podemos usar as dificuldades da realidade material como justificativa para a falta de iniciativas de comunicação de massas. Temos inúmeros casos de uso político dos meios de comunicação, no passado e no presente, que vão desde veículos mais baratos, como rádio e internet, até os mais custosos, como canais de televisão, a exemplo da TeleSur. Porém, é preciso não apenas falar o óbvio, mas fazer o óbvio. Fora casos pontuais, onde estão as diretrizes dos partidos e movimentos para uma cadeia nacional de rádios populares, que vão além dos eixos das grandes cidades? Se o problema de disputar a internet é o tal “algoritmo”, quais iniciativas tomaremos para furar a bolha? Se o problema da internet é a concentração do poder de poucas BigTechs, onde estão as iniciativas para desenvolver nossas próprias redes sociais soberanas, seja através de empresas estatais ou linhas de crédito para cooperativas de desenvolvedores? Se o problema é que existem muitas tarefas a serem feitas e poucas pessoas para fazê-las, quais são as políticas dos movimentos para distribuir as tarefas e remunerar as pessoas que tomam a luta como projeto de vida, para não precisarem, após gastar a maioria do seu tempo em um trabalho desconexo, dedicar o restante do seu tempo livre a um projeto social e político tão exaustivo? 

Precisamos desviar do autoengano tão cômodo a alguns de nós. Os desafios que nos esperam, não apenas nos próximos anos, mas também no restante da nossa vida, são imensos. Que seja imensa também nossa disciplina, inventividade, compaixão e mística.

*Leonardo V., cientista de dados e militante do Levante Popular da Juventude.


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