*Por Mabel Dias
Está na lei 7.783, de 1989, parágrafo 1º: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”
Mas, a mídia paraibana omite esta informação ao público, quando fala sobre a greve dos motoristas do transporte coletivo, que começou na segunda, dia 27 de janeiro.
Ao anunciar a greve dos trabalhadores do transporte público, empresas de comunicação, como a TV Cabo Branco, entrevistaram o presidente do Sindicato dos Motoristas, Ronne Nunes, que informou os motivos que levaram os trabalhadores a determinar a greve: cancelamento do vale-alimentação desde 2019 pelas empresas, salários defasados e acúmulo de funções, com motoristas tendo que dirigir, e ao mesmo tempo, receber o pagamento da tarifa dos ônibus, acionar a rampa para cadeirantes, serviços estes que eram feitos pelos cobradores, todos demitidos pelas empresas com a justificativa de “corte de gastos”.
Porém, foi só a greve ter início, que a mídia em João Pessoa começou, de maneira sutil, mas bem objetiva, a colocar o trabalhador contra o próprio trabalhador, insinuando que quem precisava trabalhar não estava conseguindo, pois os ônibus estavam demorando a passar nos pontos, como no terminal de integração, no Varadouro, ou estavam lotados. Uma repórter chegou a anunciar na TV que no terminal de integração estava um “caos”. Mas, porque chegou a esse ponto? Por que os motoristas tiveram que fazer uma greve e parar o serviço? E a responsabilidade dos empresários de transporte, por que não é falada? Por que não há pressão sobre os empresários do transporte para pagar os direitos trabalhistas dos motoristas? O Jornal da Paraíba, veículo da mesma empresa que a TV Cabo Branco, diz que a greve “causa longas esperas e caos no transporte prejudicam mobilidade.” Ou seja, para a mídia, a culpa é dos motoristas por pararem um serviço essencial. Para repercutir a greve nacionalmente, e de maneira negativa, o apresentador do Jornal Hoje, da TV Globo, César Tralli, diz que “quem sofre é o povo”. Ora, os motoristas de ônibus não são povo também, Tralli?
Sabemos que repórteres e apresentadores são trabalhadores também e que cumprem ordens “que vem de cima”, dos concessionários da rádio e da TV onde prestam serviço e não podem se posicionar diretamente a favor do direito constitucional de greve, tão pouco se sindicalizar. E é lamentável que isso aconteça, pois vemos nas redações, jornalistas acumulando funções, trabalhando em rádio, TV e sites, no que ficou denominado como trabalho multiplataforma. E isso não significa que o salário acompanhe este acúmulo de funções, ou que a saúde seja preservada diante de horas e horas de trabalho, mas os profissionais da comunicação não podem falar sobre isso, sob pena de serem demitidos, sumariamente, por defenderem os seus direitos. Veja a triste ironia do destino da/o trabalhador/a jornalista!
O portal Mais PB traz o seguinte título para ilustrar a foto dos motoristas, conversando com outros para aderir a greve: “Em greve, motoristas tentam impedir ônibus de circular em João Pessoa.” O enquadramento que o site quis dar ao leitor foi de mostrar trabalhadores raivosos, intimando os demais a parar também, e que, eles, os motoristas é que estão “causando transtornos, confusão”. Cobrança em relação aos empresários, não há. O Mais PB quis dizer que “é o trabalho que dignifica o homem”, mas, como diz a filósofa Silvia Federicci, “trabalho adoece, e não emancipa ninguém.”
A maneira como a imprensa de João Pessoa noticia a greve é como se os motoristas estivessem prejudicando a trabalhadora doméstica, o comerciário, o pedreiro, a não ir para o trabalho, porque cruzaram os braços, defendendo algo que é direito constitucional de todo/a trabalhadora/r brasileiro/a: fazer greve para fazer valer os seus direitos. Em contrapartida, não falam dos lucros que os empresários obtêm a cada ano, com aumento da passagem dos ônibus, e outras benesses que as empresas conseguem, como o monopólio das linhas por uma única empresa, fazendo com que ocorra atraso dos ônibus em horários de pico, como às 18h, quando o/a trabalhador/a do comércio, a diarista, e até o jornalista que pega ônibus, quer voltar para casa e descansar. Os motoristas pedem um reajuste em seus salários de 12% e as empresas, que registram um lucro crescente a cada ano, ofereceram apenas 3%. Um escárnio com a classe trabalhadora dos motoristas que enfrenta uma rotina estressante e desgastante no trânsito de João Pessoa. Só o aumento das passagens em João Pessoa ficou num percentual de 6,12%, passando de R$ 4,90 ( que já era cara) para R$ 5,20, tarifa mais alta que a de São Paulo, metrópole brasileira, pesando no bolso da trabalhadora/r pessoense que tem um reajuste ínfimo no salário, mínimo.
Nessa toada, o neoliberalismo vence, aliado ao capitalismo, e a mídia como um dos braços deste sistema, segue colocando trabalhadora/r contra trabalhadora/r, e destruindo um direito como a greve, conquistado com luta e organização das/os trabalhadoras/es há anos.
*Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Comunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).
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